Bebia água/ voltava a sentir sede.
Comia/ voltava a sentir fome.
Dançava/ voltava a cair.
Dormia/ voltava a sentir sono.
Sorria/ voltava a chorar.
Olhava à frente/ voltava a olhar pra trás.
Tinha fé/ voltava ao remorso.
Sentia/ voltava a não se importar.
Caminhava/ voltava a sentar-se.
Falava/ voltava a calar.
Ouvia/ voltava a ser surda.
Sonhava/ voltava à realidade.
Mentia/ seguia mentindo.
Não queria ser entregue ao juiz
Escondia-se em desculpas
Em sorrisos, em não-falar.
Era, sem ser.
Seus sonhos eram engavetados.
Enfileirados
Em listas e listas
De não-realizar.
Sentia a dor do medo, da culpa, da vontade, do
egoísmo, medo de ser.
Quem era.
E quem era?
Ela sabia.
Eu sabia.
Todos sabiam
Mas sabiam/ e não falavam.
Pensavam: Ser, ela não era...
Ela,
No seu quarto, cantarolava bem baixinho, dançando de
lado, sorrindo com todos os dentes, na ponta dos pés descalços, sob a luz
amarela e uma noite bem profunda: Ser? Quem dera!
E não era.
Um dia, foi.
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